segunda-feira, 6 de maio de 2013

Somos tão jovens e tão reacionários, à maneira da... Globo!




O filme sobre o início da carreira musical de Renato Russo, Somos tão jovens, prometia ser problemático. Um amigo já havia manifestado a preocupação de cariocas fazendo um filme sobre Brasília. Mas o buraco é muito mais embaixo. É um filme da Rede Globo sobre Brasília. Mais especificamente sobre a primeira geração do rock’n’roll brasiliense.
Há diversos modos de apresentar personagens em narrativas - sejam elas literárias, cinematográficas, em quadrinhos ou qualquer outro meio. Escritores ou diretores sérios podem fazer um retrato inicial completo, seguido de eventos que confirmam; podem construir o personagem a partir dos acontecimentos, num caminho contrário ao primeiro; podem fazer um personagem movente, o qual modifica-se durante o curso da narrativa; pode, por último, narrar o fluir da consciência do personagem, sem barreiras temporais.[i] Entretanto nesse filme específico não acontece nada disso. Renato Russo é retratado através de um clichê: o menino-mimado-sem-noção-mas-com-talento. Tal clichê está a anos-luz de uma verdadeira construção de personagem. Os produtos típicos da indústria cultural - para consumo imediato das massas - não podem ser mais complexos do que isso.
O filósofo e historiador italiano Benedetto Croce afirmava que toda história é história contemporânea. Tal assertiva remete à seguinte questão: pouco importa se o evento narrado tenha ocorrido há décadas, séculos ou milênios. Os conflitos do aqui e agora serão o filtro para apresentação daqueles eventos. A título de exemplo, pode-se citar a versão do historiador argentino León Pomer sobre a Guerra do Paraguai. Pomer, ao retratar o Paraguai como vítima da agressão inglesa via Brasil e Argentina, transferiu a luta contra o imperialismo Yankee (uma questão de ordem nos anos 1960, quando ele escreveu sobre a guerra) para aquele conflito no século XIX. Ao retratar no filme os conflitos entre punk rock e músicas mais elaboradas (assim colocadas na película), sente-se com toda a clareza a mão da produtora global. A primeira seria música infantil, a segunda seria música séria. Nos domínios do Projac, a música da mulher gordinha do Roberto Carlos seria  considerada superior a qualquer uma do Dead Kennedys. A Rede Globo ainda não saiu da Guerra Fria.
Em suma, caro leitor, o filme não é decepcionante porque já não se esperava qualquer qualidade artística mesmo.



[i] Cf. Donaldo Schüler. A construção da Ilíada: uma análise de sua elaboração. Porto Alegre: L&PM, 2004, p. 54.

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