O filme sobre o início da carreira musical de Renato Russo, Somos
tão jovens, prometia ser problemático. Um amigo já havia manifestado a
preocupação de cariocas fazendo um filme sobre Brasília. Mas o buraco é muito
mais embaixo. É um filme da Rede Globo sobre Brasília. Mais especificamente
sobre a primeira geração do rock’n’roll
brasiliense.
Há diversos modos de apresentar personagens em narrativas - sejam elas
literárias, cinematográficas, em quadrinhos ou qualquer outro meio. Escritores
ou diretores sérios podem fazer um retrato inicial completo, seguido de eventos
que confirmam; podem construir o personagem a partir dos acontecimentos, num
caminho contrário ao primeiro; podem fazer um personagem movente, o qual
modifica-se durante o curso da narrativa; pode, por último, narrar o fluir da
consciência do personagem, sem barreiras temporais.[i]
Entretanto nesse filme específico não acontece nada disso. Renato Russo é
retratado através de um clichê: o menino-mimado-sem-noção-mas-com-talento. Tal
clichê está a anos-luz de uma verdadeira construção de personagem. Os produtos
típicos da indústria cultural - para consumo imediato das massas - não podem
ser mais complexos do que isso.
O filósofo e historiador italiano Benedetto Croce afirmava que toda
história é história contemporânea. Tal assertiva remete à seguinte questão:
pouco importa se o evento narrado tenha ocorrido há décadas, séculos ou
milênios. Os conflitos do aqui e agora serão o filtro para apresentação
daqueles eventos. A título de exemplo, pode-se citar a versão do historiador
argentino León Pomer sobre a Guerra do Paraguai. Pomer, ao retratar o Paraguai
como vítima da agressão inglesa via Brasil e Argentina, transferiu a luta
contra o imperialismo Yankee (uma questão de ordem nos anos 1960, quando
ele escreveu sobre a guerra) para aquele conflito no século XIX. Ao retratar no
filme os conflitos entre punk rock e músicas mais elaboradas (assim
colocadas na película), sente-se com toda a clareza a mão da produtora global.
A primeira seria música infantil, a segunda seria música séria. Nos domínios do
Projac, a música da mulher gordinha do Roberto Carlos seria considerada
superior a qualquer uma do Dead Kennedys. A Rede Globo ainda não saiu da
Guerra Fria.
Em suma, caro leitor, o filme não é decepcionante porque já não se
esperava qualquer qualidade artística mesmo.
[i]
Cf. Donaldo Schüler. A construção da Ilíada: uma análise de sua elaboração.
Porto Alegre: L&PM, 2004, p. 54.